quinta-feira, 17 de maio de 2007

SOBRE O SEGREDO (continuação do texto de 16-05-07)

O eu-posso-tudo-o-que-quiser norteia o plot do filme O Segredo. Para fortalecer esta idéia, exemplos de personagens da história mundial são apresentados, dentre os quais Martin Luther King, Beethoven, Abraão Lincoln, Platão ...
A presença de Abraão Lincoln no imagético do filme, a meu ver, é descontextualizada, visto que Lincoln era um dos chamados crentes em Deus e de Deus dependia, era homem de dobrar os joelhos para orar e pedir a direção de Deus para as suas decisões, atitude de subserviência e humildade não compatíveis com a filosofia positivista, que enfatiza o homem como cerne do que acontece à sua volta. Perdeu eleições antes de chegar à presidência, por muitos foi criticado; na sua época, o país estava dividido entre aqueles que o apoiavam e os que queriam o seu fim. Foi reconhecido como um grande líder somente após a sua morte.
O mesmo ocorre com Martin Luther king, que era pastor evangélico e ativista em prol da igualdade racial. Também era homem que tinha como crença a dependência na vontade de Deus. Só conseguiu o que conseguiu com esforço e luta, e não com a simplicidade de imagens mentais.
Em relação a Martin Luther King, a revista Newsweek fala:

Martin Luther King Jr. is enlisted as author of an epigram about taking a staircase one step at a time. King certainly could visualize. But he also knew better than to sit back and wait for the law of attraction to send down justice; he went out and worked for it. And there's no secret to that.

Martin Luther King Jr. é apresentado como autor de um epigrama acerca do subir uma escada degrau por degrau. King certamente era capaz de visualizar. Porém o seu conhecimento ia além de sentar-se e esperar que a lei da atração trouxesse justiça; ele foi ao trabalho pela justiça. Não há segredo nisto.

Penso que o que esses homens alcançaram foi fruto de muita luta, dor, aflição, confiança no Deus em quem criam, e perseverança (o que é mais do que mero positivismo imagético), porque crer sem perseverar é receita à desistência.
O filme, ainda, num ensino, a meu ver, de egoísmo, individualismo e preconceito, sugere que não devemos olhar (literalmente) para coisas indesejáveis. Pessoas gordas não devem ser olhadas, pois, pela lei da atração, atrairíamos a gordura para nós. Isso se parece com crendice popular, como aquela que mulher grávida deve olhar para crianças bonitas para que o bebê nasça bonito: “Não olhe pra sapo, vai nascer um filho feio!”
Será que o segredo de O Segredo não está nas cifras que a produção busca e tem alcançado, o que se dá mais pela inquietude da alma humana do que por verdades que contenha.


(do sítio de O Segredo)

Para a psicóloga Carol Kauffman da Universidade de Harvard, “basicamente, é a teoria do caos ... Eu penso que você, na verdade, não atrai coisas para você mesma. Mas se você está profundamente aberta a oportunidade, então quando eventos ambíguos ocorrem, você os percebe. Eu acho que o que o pensamento positivo faz, é aumentar a sua consciência para possibilidades que conseqüentemente acabam chamando a sua atenção” (Newsweek Magazine - minha tradução).
Byrne, uma das proponentes de O Segredo, que aparece falando no filme, em resposta a uma pergunta sobre o massacre de Ruanda diz:

"If we are in fear, if we're feeling in our lives that we're victims and feeling powerless, then we are on a frequency of attracting those things to us ... totally unconsciously, totally innocently [...]"

Se nós estamos com medo, se estamos sentindo que somos vítimas e nos sentindo impotentes, então estamos na freqüência de atração daquelas coisas ... totalmente inconscientes, inocentemente ...

Sendo assim, se pensarmos no Tsunami que atingiu a Ásia em 2004, teríamos milhares e milhares de pessoas atraíndo aquela tragédia toda?
Se O Segredo é o segredo, por que vendê-lo? Quantas pessoas poderiam ter suas vidas mudadas, salvas de problemas e destruição pelo conhecimento deste segredo? Não é lei do universo este segredo? Se é do universo, não é de ninguém. Por que esta promoção toda para vender os livros e os DVDs desta “verdade” que não pertence a ninguém? Aqui me vem à mente a palavra do Evangelho que diz que o que recebemos de graça, de graça devemos dar.
Eu prefiro o segredo de Jesus Cristo, que não é segredo algum; é muito claro, nada que ninguém não possa entender; é raso o suficiente para que todos possam alcançá-lo e pegá-lo para si. Está aberto a quem quiser. Não aquele vendido, à semelhança de O Segredo, pelos “tele-evangelistas e ministros do evangelho” das promessas dos carros novos, casas novas, dos empregos de ponta, pregadores de um outro evangelho, o da prosperidade, mas que não são do Evangelho.
Quem critica esses pregadores, e eu não discordo que tais falácias sejam criticadas, e absorve facilmente O Segredo como sendo algo incrível de bom, deveria parar de criticá-los, pois o segredo não traz nada diferente, a fórmula do palpável e tangível é a mesma: a simplicidade e facilidade com que se pode conseguir o que se quiser pagando pelo 'know-how' do sucesso.
Volto a dizer, prefiro o Evangelho de Jesus que é aquele do “buscai em primeiro lugar o reino dos céus e a sua justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas”. Jesus está dizendo que ninguém vai deixar de ter (talvez não fique rico) se a vida for pautada do fundo da alma, do coração, por aquilo que vem de cima, aquilo que Ele ensinou, que é não viver para as coisas da terra somente. O resto é o resto. O resto é que tem levado pessoas inteligentes a absorverem discursos persuasivos e apelativos de livros e filmes, como O Segredo, que engordam as contas de quem os vendem; discursos que revelam a alma vazia de uma grande parte da sociedade moderna.
Para muitas pessoas, a falta de percepção de quem são e a falta de percepção do valor da sua existência para quem as rodeia, leva à percepção de si mesmas primeiramente pelo palpável, pelo material, que se manifesta em posses, para onde se pode viajar, o que se pode vestir, comer... e estar sempre numa disputa pelo melhor e ser o melhor. Esse individualismo tende a se manifestar em materialismo e a esquisitice do abandono da compaixão, da misericórdia. Pouco tempo sobra para as coisas da alma quando só se pensa no "sucesso".
Você pode tudo o que você quiser, é a proposta de O Segredo. Falácia. Qual dos proponentes de O Segredo pode fazer com que um de seus cabelos brancos volte a ser o que era antes, sem o uso de tinta? Qual deles seria capaz de acrescentar um palmo a sua altura que não fosse por intervenção da ciência? Qual deles poderia paralisar o tempo para que um só vinco de ruga deixasse de aparecer à face, sem que o bisturi ou o botox estivesse presente?
Querer dizer que o ser humano pode tudo, que não há limites para o tudo, só pode ser objeto de venda de livros e filmes, o que a Newsweek expressa na frase:

But this 'new thought' may just be new marketing.

Mas este ‘novo pensamento’ pode ser apenas um novo marketing.

As pessoas são muito mais pessoas quando elas naturalmente e espontaneamente procuram não ser, essa naturalidade de ser faz delas pessoas que são e conseqüentemente as conquistas as seguirão.



José Martins

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